Orientações de 23 de abril de 2020 – Orientações sobre a recolha de dados de saúde dos trabalhadores
Tem sido noticiado que entidades empregadoras, sobretudo na preparação do regresso à laboração, pretendem recolher e registar dados da temperatura corporal, bem como outras informações relativas a alegados comportamentos de risco dos seus trabalhadores. Por isso, a CNPD considerou conveniente emitir orientações, para garantir que informação de saúde dos trabalhadores é tratada com respeito pela proteção de dados pessoais.
https://www.cnpd.pt/media/bq5byjzb/orientacoes_recolha_dados_saude_trabalhadores.pdf
Tem sido noticiado que entidades empregadoras, sobretudo na preparação do regresso à laboração, pretendem recolher e registar dados da temperatura corporal, bem como outras informações relativas a alegados comportamentos de risco dos seus trabalhadores. Por isso, a CNPD considerou conveniente emitir orientações, para garantir que informação de saúde dos trabalhadores é tratada com respeito pela proteção de dados pessoais.
Na sequência da pandemia decorrente do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19 e das medidas de confinamento e isolamento social, as entidades empregadoras têm adotado medidas que visam prevenir o contágio entre os trabalhadores. Chegou ao conhecimento da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) que, de entre essas medidas, consta a recolha e o registo de dados relativos à saúde e de vida privada dos trabalhadores suscetíveis de indiciar infeção pelo vírus, designadamente, a temperatura corporal dos trabalhadores.
Como a recolha, bem como o registo, desta informação, porque relativa a pessoas singulares identificadas, corresponde a um tratamento de dados pessoais (1) , a CNPD vem, no exercício das suas atribuições e competências(2), definir, de forma sucinta, orientações de modo a garantir a conformidade dos tratamentos de dados de saúde e da vida privada dos trabalhadores com o regime jurídico de proteção de dados.
Importa, em primeiro lugar, recordar que os dados pessoais relativos à saúde são dados sensíveis, reveladores de aspetos da vida privada do trabalhador que, em princípio, não têm que ser do conhecimento da entidade empregadora, nem devem sê-lo por poderem gerar ou potenciar discriminação. É por essa razão que esta categoria de dados está sujeita a um regime jurídico especialmente reforçado de proteção de dados (3), do qual decorre que a entidade empregadora não conhece, nem pode diretamente recolher ou registar, dados de saúde dos trabalhadores (4).
É verdade que a situação excecional que se está a viver, enquadrada pelo estado de emergência decretado pelo Presidente da República e pelos diferentes diplomas legais entretanto publicados ao abrigo desse decreto, justificou alterações profundas no contexto da prestação do trabalho e da relação empregador–trabalhador. Todavia, a necessidade de prevenção de contágio pelo novo corona vírus não legitima, sem mais, a adoção de toda e qualquer medida por parte da entidade empregadora.
Com efeito, a prevenção de contaminação pode justificar a intensificação de cuidados de higiene dos trabalhadores (v.g., quanto à lavagem de mãos), bem como a adoção de medidas organizativas quanto à distribuição no espaço dos trabalhadores ou à sua proteção física, e algumas medidas de vigilância, conforme o estabelecido nas orientações da Direção Geral de Saúde (5). Mas já não justifica a realização de atos que, nos termos da lei nacional, só as autoridades de saúde ou o próprio trabalhador, num processo de auto-monitorização, podem praticar. Na realidade, o legislador nacional não transferiu para as entidades empregadoras uma função que é exclusiva das autoridades de saúde, nem estas delegaram tal função nos empregadores.
Assim, não pode uma entidade empregadora proceder à recolha e registo da temperatura corporal dos trabalhadores ou de outra informação relativa à saúde ou a eventuais comportamentos de risco dos seus trabalhadores.
Porém, mantém-se obviamente a possibilidade de o profissional de saúde no âmbito da medicina do trabalho avaliar o estado de saúde dos trabalhadores e obter as informações que se revelem necessárias para avaliar a aptidão para o trabalho, nos termos gerais definidos na lei da segurança e saúde no trabalho(6). De acordo com os critérios científicos que presidem às suas decisões clínicas e com as orientações da autoridade nacional de saúde, cabe-lhe determinar a frequência e tipo de avaliação que considere conveniente para este efeito e, sempre que identifique trabalhadores com sintomas ou em outra situação que o justifique, adotar os procedimentos adequados a salvaguardar a saúde dos próprios e de terceiros. Em especial, no período de progressivo termo do confinamento e de regresso à laboração, a eventual recolha, através de preenchimento de questionários pelo trabalhador, de informação relativa à saúde ou à vida privada do mesmo relacionada com a sua saúde (v.g., se esteve em contacto com pessoas contaminadas) só está legitimada se for realizada direta e exclusivamente pelo profissional de medicina no trabalho, tendo em vista a adoção dos procedimentos adequados a salvaguardar a saúde dos próprios e de terceiros.
A CNPD recorda que as entidades empregadoras se devem limitar a atuar de acordo com as orientações da autoridade nacional de saúde para a prevenção de contágio pelo novo corona vírus no contexto laboral, em particular as dirigidas às entidades empregadoras em certos setores de atividade, abstendo-se de adotar iniciativas que impliquem a recolha de dados pessoais de saúde dos seus trabalhadores quando as mesmas não tenham base legal, nem tenham sido ordenadas pelas autoridades administrativas competentes.
Lisboa, 23 de abril de 2020
(1) Nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento (UE) 2016/679, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – RGPD).
(2) Cf. alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 57.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Regulamento (UE) 2016/679, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – RGPD) e artigos 3.º e 6.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto.
(3) Cf. n.º 1 e n.º 2 do artigo 9.º do RGPD. Para o efeito aqui só será pertinente o disposto na alínea b) e na alínea h) do n.º 2 do artigo 9.º do RGPD, em ambos os casos remetendo-se para legislação (nacional ou da União Europeia) que preveja esse tratamento e garantias adequadas dos direitos dos trabalhadores. Cf. ainda o n.º 1do artigo 28.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto.
(4) Na verdade, o tratamento deste tipo de dados no contexto laboral só pode ocorrer nos termos previstos em lei nacional, sendo certo que no ordenamento jurídico nacional só é permitida recolha de informação de saúde no contexto da medicina no trabalho.
(5) Cf. Orientação 6/2020, de 26 de fevereiro.
(6) Aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, alterada por último pela Lei n.º 79/2019, de 2 de setembro.